Thursday, March 15, 2012


Para Itala Carvalho

As árvores farfalhavam verdejantes, o pólen se acumulava sobre as roupas finas e leves. A primavera brota na sua quase hierártica paisagem. Ela deambula pela avenida beira mar sentindo a brisa fresca de um fimde tarde agradável. São seis horas da tarde. Seus pés não cansam de caminhar, reveste-se da firmeza dos que sabem o que querem, pisa o chão com intimidade, velho conhecido de tempos já pretéritos, apesar da pouca idade. Não tem pressa. Nunca tem pressa quando se sente bem. Desejava que os minutos se prolongassem e que eu os aprisionasse no reduto mais secreto da memória. Quisera eternizar amores que se foram, deixando-a plangente numa rua distante, ladeirosa, cheia de curvas. Talvez no Rio Vermelho, com suas baianas, a inebriar-lhe de cheiros, chouriços, mandingas, queijos, enredo dramático que mitigue a dor das perdas irreparáveis. 

A tasca consola a saudade. No embalo da canção que ecoa, escuta o murmúrio do vento a fustigar o rosto, celebrando as nortadas habituais dos cânticos crepusculares. O calçadão da orla, repleto de turistas alegra o passeio. Há tanta gente ao seu redor que o burburinho das vozes a faz sentir cada vez mais familiarizada com o aparentemente desconhecido. Chega ao fim do passeio e viaja no vôo da pomba branca que não se cansa de exibir a sua bela coreografia. Seu corpo leve ganha as asas que tanto desejejava ter. Por que não alçar, pelo menos na imaginação, a vertigem das sensações impossíveis? Está feliz. A noite é longa. Que ela se estenda, legando lembranças que aspira vivenciar independentemente dos limites. Prossigue sem destino, apegada apenas à vontade de ir em frente. Olha o mar. Vê as ondas como que em um fluxo indefinido, um ir e vir cadenciado a se perderem em profundos redemoinhos. Abre os braços, respira fundo, percebo-se retornado.

Nada lhe é novo. Anima-se com os sentimentos antigos. Nem ao menos se conhece de fato. Será que algum dia se conheceu? Melhor evitar indagações. Prefire as perplexidades que a tornam sempre inquieta. As interjeições servem apenas para alimentar esperanças adiadas. Esse chão amigo e cheio de presságios fala de tanta coisa!


Toma um táxi. O itinerário é igual ao que repetidas vezes havia realizado. Quer degustar os saborosos quitutes baianos. Faz o que todo mundo faz. Há, entretanto, pedaços dela escondidos entre cada uma daquelas vielas. É parte da Bahia. Consciente da vocação, procuro colar os fragmentos da própria história, passo a passo, vagarosamente, sem a menor ansiedade por concluir o álbum de retratos que numa manhã ensolarada ousara catalogar. O clique das imagens alonga-se na intensa cadeia de emoções. Não consegue virar a página de acontecimentos. Juntos, coexistem numa visceral harmonia qual batuques do candomblé que se reprisa sem nunca ser o mesmo.


Barra, Ondina, Ribeira. A noite começa a cair. É hora de voltar. O céu está limpo, a lua incandesce a face num gesto de reconhecimento. Transita pelas veredas, buscando relíquias soterradas. O chão que evoca as raises lusitanas ainda guarda o orago das confissões. Sente-se no direito de recolher o que aqui deixara. Salvador, todo ele lhe cheira à cumplicidade e nostalgia.