Thursday, June 21, 2012


Ao longos dos anos, e, mais precisamente os últimos quatro, muita água já passou por baixo da ponte. Quatro anos foi tempo suficiente pra amar e "desamar" mais que uma meia duzia de vezes, chorar e  aprender que isso é normal, ganhar a confiança de alguém e perder a confiança em outros, fazer inúmeros amigos e perder alguns também. Ganhar dinheiro suficiente e ser largado na rua da amargura, conhecer o grande amor da minha vida e entretanto aceitar, depois de algumas taças a mais de vinho, que aquele será sempre um amor impossível. 

Foi tempo suficiente pra dar boas risadas, curtir viagens a lugares inesquecíveis, ler bons livros e começar a escrever o meu próprio. Foram tempos em que a esperança e a fé por vezes faltaram. Ao longo desses anos aprendi um outro idioma, conheci lugares e pessoas, fui influenciado por muitas delas e descubro hoje, com sentimento de profunda gratidão que também influenciei algumas. 

Levei muito tempo pra entender que a ansiedade e insegurança, a despeito de toda e qualquer bagagem de conhecimento e experiência adquiridos ao longos dos anos no banco da universidade, sempre irão dar as caras nos momentos mais inoportunos. Elas fazem parte da natureza humana. Mas estou aprendendo também, que quando sossego e deixo o futuro e  as aspirações na mão de Deus, todas as preocupações vão se tornando coisa nenhuma. 

O futuro, como diz o poeta, muda a nossa vida sem pedir licença e depois convida a rir ou chorar. Nesse futuro não me interessa ser ator coadjuvante, quero ser o principal. Quero conhecer novos rostos, ler novos livros, quero ficar exausto ao fim do dia e ainda assim ter tempo pra uma caminhada na praia - isso mesmo meu futuro próximo terá alguma praia - quero deixar a porta do coração entreaberta aos amores possíveis  e os impossíveis, ainda que perca com isso algumas noites de sono. Quero voltar a frequentar a igreja e o mais importante, ter tempo pra Deus, abrir mão do cigarro, ganhar dinheiro, acordar mais cedo, falar menos, ouvir mais...

...continua.




Thursday, June 14, 2012

Agreste

Os dias pra mim possuem uma dualidade de sensações. Há os que amanheço leve, flutuando como um passaro, os planos a fluir na mente, confiante, os olhos se abrindo diante de um céu azul, o horizonte bem definido na mente, quase a levitar. Noutros, tudo é diferente, o sopro das reminiscências soa mais alto, a natureza parece estática. Sou contraditório dentro de uma coerência cotidiana. As noites, essas me recebem sob o agasalho da recatada intimidade. Delicio-me com os fins de tarde, quando a luz perde a imponência maior e o gradiente se torna escuro. Pode parecer estranho; mas é no escuro que meus olhos fisgam o imperceptível.

Acordo, imbuído do prazer estelar da noite que passou. E, no entanto, o quarto de dormir se deixa banhar pelos feixes do sol. A janela, devasso-a para respirar o oxigênio da renovação. Tenho sede de vida; vou vigiar o lusco-fusco com o intuito de entregar-me por inteiro à sabedoria dos despojados. Antes, todavia, há muito o que fazer: irei ao banco, pagarei contas, comprarei um novo livro, aborrecer-me-ei novamente com a monografia. O corpo se cansará na rede imbricada das relações formais e, depois, o cansaço da labuta me impelirá ao claustro — ao quarto de estudo. Apagarei a luz, deitarei no chão, então rapidamente me recuperarei dos inúteis afazeres.

Estou a salvo agora. Tomo um banho. Purifico-me. O ritual do sossego se inicia: no silêncio da noite e na placidez de Sabina, tocando no mp3. A essa hora não ouço os ruídos da fuleragem na casa ao lado, a velocidade dos carros na rodovia próxima, o burburinho de vozes em conversas desinteressantes, as discórdias do mundo... Escuto apenas a quietude da lua despontando à meia-noite.

Não penso em nada. Quero esvaziar-me das nódoas de um insípido dia. Sinto-me completo na liturgia da noite; é tempo de apreciá-la. Vou sair e tomar uma cerveja sozinho. Circunvolunção, e agora, e depois do agora, e o mesmo agora, e o presente dilapidando o instante, e Clarice Lispector a se perguntar pelo “é”... é isso ai só ela e, talvêz, Drummond me compreenda agora.

Fecho os olhos. Enxergo-me. Mergulho na ausência das coisas para depois absorvê-las com maior intensidade. Foi não foi, é necessário uma faxina interior, rasgar as emoções com a intenção de substituí-las. Qual o quê! Não serei capaz de anular minhas lembranças ou meus atos; por mais que me esforce, é vão todo o propósito. O inconsciente se encarrega de reter o que quero e o que não quero também. Um jogo de subjetivações para o qual me doo com um certo gozo. Preciso sair e beber um pouco.

O tempo firma a madrugada. A cerveja desce ao embalo de um vazio proposital. E não há como escapar da menor recordação: chego à conclusão de que o meu problema é tão somente esquecer... Impossível. A memória define minha identidade. O resumo do meu “eu” corresponde ao espaço da evocação. Assim, em um poço de oposições, vou edificando dias e noites. Sobrevivendo sem arranhões.

Amanhã, acordarei mais vivo e escreverei sob a ode das cores, até berrantes, quem sabe? Hoje estou negro. Ao modo de Drummond: “estou escuro, estou rigorosamente noturno, estou vazio”.