Para Itala Carvalho
As árvores farfalhavam
verdejantes, o pólen se acumulava sobre as roupas finas e leves.
A primavera
brota na sua quase hierártica paisagem. Ela deambula pela
avenida beira mar sentindo a brisa fresca de um fimde tarde agradável.
São seis horas da
tarde. Seus pés não cansam de caminhar, reveste-se da
firmeza dos que sabem o que querem, pisa o chão com
intimidade, velho conhecido de tempos já pretéritos, apesar da
pouca idade. Não
tem pressa. Nunca tem pressa quando se sente bem.
Desejava que os minutos se prolongassem e que eu os
aprisionasse no reduto mais secreto da memória. Quisera
eternizar amores que se foram, deixando-a
plangente numa rua distante, ladeirosa, cheia de curvas. Talvez
no Rio Vermelho, com
suas baianas, a inebriar-lhe de cheiros,
chouriços, mandingas, queijos, enredo dramático que
mitigue a dor das perdas irreparáveis.
A tasca consola a
saudade. No embalo da canção que ecoa, escuta o
murmúrio do vento a fustigar o rosto, celebrando as
nortadas habituais dos cânticos crepusculares. O calçadão da orla, repleto de turistas alegra o passeio. Há tanta gente ao seu
redor que o burburinho das vozes a faz sentir cada vez
mais familiarizada com o aparentemente desconhecido.
Chega ao fim do passeio e viaja no vôo da pomba branca que não
se cansa de exibir a sua bela coreografia. Seu corpo
leve ganha as asas que tanto desejejava ter. Por que não
alçar, pelo menos na imaginação, a vertigem das
sensações impossíveis? Está feliz. A noite é longa.
Que ela se estenda, legando lembranças que aspira
vivenciar independentemente dos limites.
Prossigue sem destino, apegada apenas à vontade de ir em
frente. Olha o mar. Vê as ondas como que em um fluxo indefinido, um ir e vir
cadenciado a se perderem em
profundos redemoinhos. Abre os braços, respira fundo,
percebo-se retornado.
Nada lhe é novo. Anima-se
com os sentimentos antigos. Nem ao menos se conhece de fato. Será que
algum dia se conheceu? Melhor evitar indagações. Prefire as
perplexidades que a tornam sempre inquieta. As interjeições servem apenas para alimentar
esperanças adiadas. Esse chão amigo e cheio de presságios fala de tanta
coisa!
Toma
um táxi. O itinerário é igual ao que repetidas vezes havia realizado.
Quer degustar os saborosos quitutes baianos. Faz o que
todo mundo faz. Há, entretanto, pedaços dela
escondidos entre cada uma daquelas vielas. É parte da Bahia.
Consciente da vocação,
procuro colar os fragmentos da própria história, passo a
passo, vagarosamente, sem a menor ansiedade por concluir
o álbum de retratos que numa manhã ensolarada ousara
catalogar. O clique das imagens alonga-se na intensa
cadeia de emoções. Não consegue virar a página de
acontecimentos. Juntos, coexistem numa visceral harmonia
qual batuques do candomblé que se reprisa sem nunca ser o mesmo.
Barra, Ondina, Ribeira. A
noite começa a cair. É hora de voltar. O céu está
limpo, a lua incandesce a face num gesto de
reconhecimento. Transita pelas veredas, buscando
relíquias soterradas. O chão que evoca as raises lusitanas ainda guarda o
orago das confissões. Sente-se no direito de recolher o
que aqui deixara. Salvador, todo ele lhe cheira à
cumplicidade e nostalgia.
No comments:
Post a Comment