Wednesday, September 01, 2010

DONNA





Para Fernanda


O lounge era agradável, descontraído e simpático. Era fim de tarde e uma nesga de luz solar entrava pela janela dando um tom dourado ao ambiente. Ele chegou primeiro pediu um vinho, safra 2009 e ficou observando o sol cair no horizonte por trás da ponte presidente Dutra. Nem havia acreditado direito quando, ontem à noite no telefone ela havia aceitado seu convite para um happy hour. Ficou tão ansioso que custou a adormecer. Vagueava pelos pormenores; o restaurante, a melhor vista da cidade, o cardápio requintado e apetitoso, o vinho ideal para embalar a conversa... Lembrou que ela não bebia. Era evangélica. Por isso ele resolveu chegara antes e pedir apenas para si. Escolheu um paralelo 8, tinto intenso, como ele imaginava, se pretendia esse encontro. Sentado no piso inferior, uma espécie de reservado com meia dúzia de mesas, e paredes forradas de garrafas, ele podia escutar os risos e aplausos que ecoavam no andar de cima. Ficou imaginando as palavras do amigo Fábio, professor de enologia da faculdade, se estivesse ali com ele:
- Está vendo, aqui temos a prova de que o vinho torna as pessoas mais alegres.
Lá fora, um Honda FIT estaciona do outro lado da rua. De dentro sai uma jovem mulher com jeans escuros, blusa de malha branca e cabelos amarrado no alto da cabeça em um rabo de cavalo elegante. Ela tranca o carro, aciona o alarme, olha o relógio, pega o celular e disca um número. Eles se conheceram nos tempos de faculdade. Isso já fazia quatro anos. Ela uma morena de cabelo castanho, longo, porte elegante, sorriso espontâneo, era de longe a garota mais bonita da classe. Ele, loiro, olhos de um verde claro, frequentemente confundidos com azul, em um primeiro momento, a imaginou como namorada. Descobriu logo em seguida que ela já tinha um. Era previsível, afinal, as mulheres interessantes sempre tem. Nos anos que se seguiu, quase sempre estiveram em lados opostos. Em comum, apenas as convicções religiosas. Era a primeira vez, desde que fora para o Recife fazer mestrado, que voltava ao sertão. Chegara no dia anterior e já partiria amanhã novamente. Ligara apenas para desejar feliz aniversário, mas resolveu fazer o convite para jantar no dia seguinte e ela aceitara.
    No bolso da camisa pólo preta, ele sente o celular vibrar. É ela querendo saber se ele já chegou. Dá-se conta que alguma coisa nele havia mudado. A pontualidade nunca fora seu forte, nem mesmo para encontros amorosos, o que não é o caso agora. Levanta-se, sorri, dá um beijo amigável no rosto dela. Nota o perfume suave que ela usa que ele imagina não ser francês, afinal os franceses são fortes e esses, ele odeia sentir. Afasta gentilmente a cadeira para que ela sente, chamam o garçom com um gesto, pede uma salada niçoise    cigat, pergunta o que ela gostaria de beber, e ela pede uma água com gás.
    Depois de tanto tempo longe, ficou imaginando o que ela estaria a fazer da vida. Será que casara, tinha filhos, no que estaria trabalhando? Pelos cálculos ela teria agora 25 anos. Nos tempos da faculdade, não se lembrava de tê-la ouvido falar em fazer mestrado. Nas poucas vezes em que conversavam, ela deixava escapar que gostava de nutrição. A mulher que está agora na frente dele, falando sobre as conquistas e realizações nos últimos quatro anos, é uma edição melhorada da garota de antes. A menina irrequieta e insegura quanto ao futuro, tornara-se uma mulher sofisticada e confiante em sua própria capacidade. De repente, começou a imaginar o que aconteceria se desse em cima dela, pondo, por exemplo, a mão na dela sobre a mesa. Desistiu. Queria mesmo era a amizade dela. Eram mil e uma as perguntas que lhe queria fazer... será que devia? Perguntar acerca dos relacionamentos, falar acerca dos seus, enfim amenidades entre amigos. Fazendo uma analogia com o vinho, ele imagina a morena à sua frente, como um espumante produzido em anos de vidima excepcional, com aroma e sabor complexos e ao mesmo tempo delicados. Ao fim do encontro, com um abraço e um beijo respeitoso no rosto, ele se despede com a certeza de que, decididamente ele e a amiga sabem viver os momentos em que o caráter e a sofisticação se combinam.

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