Wednesday, September 01, 2010

O fugitivo

Foi assim: era domingo, uma daquelas tardes tediosas que parecem acumular um legado de lembranças. Tardes de reverberações em que as horas representam o somatório de uma semana em despedida. O rosto traçado em linhas finas, dotado de aparência delicada. As solicitações de um mundo em efervescência impeliam-no a cuidar de sí com mais determinação. Na verdade, estava cansado de submeter-se às órdens de um cotidiano que exigia dele o máximo de doação. Há muito vinha pensando em tomar a decisão de morar sozinho, ter oportunidades, decidir horários, enfim, conhecer-se a si mesmo sem interferências alheias. Mas viver exige coragem; ele acovardou-se tanto, que qualquer movimento em contrário, lhe parecia tardio. Ouviu o ruido do vento entrando pela janela e decidiu tomar um pouco de scotch. Apanhou o copo, despejou o líquido âmbar, deitou quatro pedras de gelo, nem mais nem menos, quatro pedras de gelo de tamanho regular. E redondas. Ao lado do copo alinhou o guardanapo, abriu a gaveta do armário, apanhou a caixa de marlboro, acendeu um. deixou a sala com ar introspectivo, e dirigiu-se para o quarto. Precisava amadurecer as ideias. a tarde se esvaia num domingo pesado de reflexões. a cada quinze minutos uma badalada. ele tomava para sí a galhardia de agir com autonomia, de rebelar-se contra uma situação tão cômoda, de crêr na possibilidade de singularizar-se como alguém que vive, que tem vontade própria. Que carece de um mínimo de privacidade para contruir-se em identidade. Crescia uma revolta interior a sugar-lhe por dentro, como que roubando sua inconciência. Já nem falava em consciência, essa diluira-se na monotonia da vida atual. Falava de algo involuntário, que para ele representava um novo núcleo existencial. Não poderia aquiescer às inúmeras reividicações do mundo que o cercava; ele, porém, tinha um nome, e aspirava à dificil condição e ser. Á sombra dos últimos momentos da tarde, ele retirou a mala do guarda-roupa. Lentamente colocou umas peças de roupa, dois livros, o cd do John Legend…, Ouviu o celular tocando. Era ela que convidava para um chopp em algum bar boêmio da cidade. “Precisamos sair para alegrar a noite, nada como um chopp e um bom papo… onde vamos?” Ele alega indisposição física e nâo confirma o encontro. Deambula pelo quarto, num ir e vir sem norte. Estava tonto. tonto de desejos desconhecidos, tonto de apelos infantis, tonto e nesgas de independência. De soslaio, como um fugitivo de algum calabouço medieval, saiu do quarto e deixou a porta aberta. Foi assim: tudo aconteceu numa tarde de domingo sombria, tediosa e carregada dos dias da semana que passara. Foi assim exatamente assim que ele quebrou os laços de uma vida medíocre…

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